segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O JORNAL E A TIPOLOGIA DISCURSIVA, artigo da professora Eleandra Lelli, publicado no livro: Redação e seu ensino, editora: Espaço Editorial

Este artigo visa a demonstrar como é possível estudar a diferença entre narração, descrição e dissertação de maneira diferenciada e dinâmica, utilizando o jornal impresso como recurso pedagógico.

A utilização de jornais e revistas em sala de aula não é uma idéia nova, mas ainda há uma certa relutância de ser colocada em prática, pois seria necessário um certo desvio do convencional livro didático, que continua sendo adotado, muitas vezes, como único recurso didático-pedagógico. Como sabemos, qualquer forma de mudança e inovação causa insegurança, principalmente, quando estas são propostas a profissionais já acomodados em suas práticas tradicionais, as quais, para os dias de hoje, não bastam. È preciso investir em diversificações e dinamismo para tornar as aulas mais produtivas e atraentes, não só para os alunos, como também para os professores.

As vantagens para o profissional que recorre ao auxílio da mídia impressa em geral são inúmeras, pois estará contribuindo para que seus alunos despertem para uma leitura mais ampla do mundo em que vivem, provocando-lhes, desde logo, o sentido da cidadania e, com isto, a compreensão de que podem e devem ser agentes sociais e culturais, capazes de contribuir para um mundo diferente.

Dito isto, partiremos, agora, para o desenvolvimento deste trabalho, cuja idéia surgiu de nossas experiências pessoais com alunos de ensino fundamental, médio e superior. Importante lembrar que cada nível de ensino requer um enfoque diferente, é preciso, também, avaliar os graus de conhecimento e dificuldades existentes nos alunos antes de qualquer trabalho.

1. O jornal e suas partes

Para a análise da tipologia discursiva, todos os cadernos de um jornal podem ser aproveitados, pois sempre há um exemplo de descrição, narração ou dissertação. Até mesmo nos classificados podemos utilizar as descrições dos objetos anunciados.

Não seria exagero aconselhar que antes de tudo os alunos sejam “apresentados ao jornal”, isto é, grande parte dos jovens não tem o hábito da leitura do jornal e, muito menos, intimidade com este veículo de informação. Claro que o conhece, mas não sabe, certamente, identificar suas partes, portanto não me parece perda de tempo ensiná-lo a manusear o jornal, a fim de facilitar o trabalho posterior. Tornando-se possível pedir para que abram no editorial ou em qualquer outro caderno e todos o farão simultaneamente, sem nenhum desconcerto ou inibição.

Visto isso, é possível partir para o passo seguinte: o reconhecimento de diferentes tipos de texto e de discurso no jornal.

2. A narração

O carro chefe do jornal é a notícia e nela está presente a narração, assim como na reportagem ou na crônica. Ao transmitir estes dados para o aluno, devemos explicar quais são os elementos da narração:

a. quem? (pessoas ou personagens envolvidas);

b. o quê ? (o fato ou acontecimento)

c. onde ? (local do acontecimento)

d. quando? (o momento em que aconteceu)

e. como ? ( de que modo)

f. por quê? (quais as causas)[1]

Localizar tais elementos em qualquer notícia ou reportagem será extremamente simples para qualquer aluno. Ficará fácil desvendar a essência do jornal: contar histórias reais. Saliente-se, porém, que histórias reais estão sujeitas a um certo grau de intencionalidade, por parte de quem escreve e da instituição a qual pertence. É imprescindível e enriquecedor para o aluno uma explanação sobre a necessidade de se ler uma notícia em mais de um veículo de informação, a fim de captar um possível viés[2] por parte do jornalista. E isto pode ser feito na própria sala de aula, desde que seja pedido para que tragam jornais diferentes.

Como proposta de redação, o aluno pode ser desafiado a construir uma notícia de jornal a partir de um fato ocorrido na própria sala de aula, na sua instituição de ensino ou a partir de um outro texto qualquer, utilizando-se da linguagem jornalística verificada nas notícias lidas, cujas normas são comumente: o emprego de uma linguagem simples; da ordem direta; da prevalência de verbos de ação e no perfeito; da forma concisa, clara e objetiva; porém sem o desvio da norma culta.

3. A descrição

A descrição é definida, por vários autores de manuais de redação, como sendo um retrato verbal de um objeto, personagem, ambiente; enfim, tudo que possa ser caracterizado por meio de adjetivos ou locuções adjetivas é rica em substantivos e verbos de ligação.

Já que os textos predominantemente descritivos se limitam aos classificados, o professor poderá explorar as descrições presentes de uma forma ou de outra nos diversos tipos de textos e discursos presentes no jornal, seja em notícias, crônicas, editoriais ou críticas.

Um bom exercício de produção textual seria pedir ao aluno que anunciasse algum objeto usado que pudesse interessar a alguém, enfatizando suas características positivas, de modo a atrair o interesse do leitor para a aquisição do que está sendo exposto para venda.

Ao analisar o texto descritivo no jornal, o professor poderá relembrar as modalidades da descrição:

- a descrição objetiva: que procura descrever com exatidão, com a preocupação de informar sem exageros ou juízos de valor;

- a descrição subjetiva: que parte das impressões pessoais do sujeito que narra;

- a descrição física e psicologia: que se referem às pessoas ou personagens, presentes nos textos jornalísticos de caráter narrativo.

As modalidades descritivas, vale acrescentar, podem aparecer conjuntamente num mesmo texto, porém, nos classificados, a objetiva é a que predomina, com a finalidade de transmitir maior credibilidade.

4. A dissertação

O discurso dissertativo será comum nos editoriais, críticas e resenhas. A dissertação consiste na defesa de uma idéia ou opinião por meio de argumentos, o que exige, por parte de quem escreve conhecimento sólido e amplo sobre o assunto tratado.

Analisando um texto dissertativo retirado do jornal, o aluno poderá perceber que o jornalista, em um editorial, por exemplo, expressa profundo conhecimento sobre aquilo que está dissertando, mesmo que o leitor não concorde com as opiniões expressas. Aliás o aluno precisa entender que a dissertação, antes de buscar convencer o leitor sobre suas posições, deve demonstrar que estas são válidas e respeitáveis, coisa que somente conseguirá se ao expressá-las, transmitir domínio e segurança sobre o assunto.

Os quesitos para uma boa dissertação são “análise das idéias, apreciação de prós e contras, estabelecimento da analogia, procura de causas e conseqüências”[3].

A estrutura da dissertação tem sido para muitos estudantes a parte mais complicada deste discurso, quando tratada apenas teoricamente. Temos observado que ao explicar a estrutura da dissertação por meio de exemplos, identificando em um texto já pronto cada uma de suas partes, o entendimento é alcançado mais fácil e rapidamente por parte dos alunos. Parece-nos que lhes falta a visualização do que está sendo exposto, por isso, mais uma vez, a utilização do jornal mostra-se extremamente eficiente. Certamente, a partir deste momento, o aluno apresentará maior facilidade ao ter de redigir sua dissertação.

Não basta, portanto, explicar, na sala de aula, o que se pode ler em qualquer manual de redação, que a dissertação deve possuir:

- introdução: que é a exposição do tema e qual posição assumirá sobre ele;

- desenvolvimento: exposição dos argumentos;

- conclusão: retomada da introdução ou recapitulação.

Se o aluno estiver embasado teoricamente e puder visualizar, concretamente, estes elementos, deixará de encarar a dissertação como algo tão complexo a ponto de não conseguir desenvolver uma.

O aluno poderá ser convidado a expor opinião contrária a de um determinado texto dissertativo, para exercitar o que aprendeu ou verificar se realmente aprendeu. Exercícios como identificar as partes estruturais da dissertação nos editoriais, por exemplo, são de grande valia.

5. A linguagem jornalística

Abriremos aqui um parêntesis para ressaltar que a redação moderna, em todas as profissões, requer uma linguagem que, além de obedecer às normas ditadas pela gramática normativa, seja concisa, coesa, coerente e objetiva em prol da clareza sobre o que se deseja transmitir. Todas essas características são encontradas nos textos de jornais sérios.

Parece-nos razoável, então, que os jornais façam parte do cotidiano das salas de aula, não só na disciplina de Língua Portuguesa, mas, nesse caso, principalmente nela.

De acordo com Maria Alice Faria, os jornais e revistas podem ser “mediadores entre a escola e o mundo” e em relação à linguagem jornalística defende que:

“Como padrão de língua”, os bons jornais oferecem, tanto ao professor como aos alunos, uma norma padrão escrita que sirva de ponto de referência para a correção na produção de textos. (...) Desenvolve e firma a capacidade leitora dos alunos; estimula a expressão escrita dos estudantes, que aprendem com o jornal a linguagem da comunicação para transmitirem suas próprias mensagens e informações”. [4]

Na linguagem jornalística podemos enfocar também o estudo das funções nela presentes, quais sejam, a referencial, a emotiva e a conativa.

6. Palavras finais

Para finalizar, gostaríamos de ressaltar que este artigo não visou a ensinar os colegas sobre quaisquer dos conceitos apontados, apenas almejou, despretensiosamente, partilhar de algumas experiências positivas em sala de aula, cuja utilização do jornal foi extremamente motivadora e eficaz.

São inumeráveis as possibilidades de trabalho e pesquisa que se podem alcançar com o jornal, que vão além dos tópicos específicos de nossa disciplina, pois o jornal ensina, dentre tantas coisas, a interdisciplinaridade.

Para os que estão iniciando no magistério, muitas vezes a teoria não supre as necessidades que a dinâmica da sala de aula impõe, por isso talvez esta nossa experiência seja interessante, não simplesmente para que seja reproduzida, mas principalmente a fim de que desperte novas idéias para novas experiências e assim sucessivamente.

Este trabalho foi escrito, acima de tudo, porque acreditamos que propostas de trabalho como esta podem trazer discussões e reflexões para a sala de aula, ampliando o senso crítico e a leitura de mundo de nossos alunos, assim como criando neles a intimidade com a leitura e conseqüentemente com a escrita.

BIBLIOGRAFIA:

BARBOSA, Severino Antonio M. e AMARAL, Emília. Escrever é desvendar o mundo.14ª ed., São Paulo: Papirus, 2001. 177p.

CITELLI, Adilson (org.). Outras linguagens na escola: publicidade, cinema e TV, rádio, jogos, informática.Coordenador Adilson Citelli. 2ª ed., São Paulo: Cortez, 2001. 253p

FARIA, M.Alice. Como usar o jornal na sala de aula.São Paulo: Contexto, 1996. 162p.

FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. 4ª ed., São Paulo: Ática, 2002 . 431p.

LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade. 8ª ed., São Paulo: Ática, 2002. 110p.

MEDEIROS, João Bosco. Comunicação escrita: a moderna prática da redação. São Paulo: Atlas, 1988. 279p.



[1] MEDEIROS, João Bosco. Comunicação escrita: a moderna prática da redação. São Paulo: Atlas, 1988. p. 191.

[2] Viés é definido como sendo a escolha de fatos e a ênfase atribuída a determinados tipos de pormenores. Em FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. 4ª ed., São Paulo: Ática, 2002 . p.251.

[3] MEDEIROS, João Bosco. Comunicação escrita: a moderna prática da redação. São Paulo: Atlas, 1988. p. 243.

[4] FARIA, M.Alice. Como usar o jornal na sala de aula.São Paulo: Contexto, 1996. p.p.11-12.

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