segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Fernão Lopes: historiador e prosador, Artigo publicado em março no Caderno de Língua e Literatura das Faculdades Integradas de Ribeirão Pires

Fernão Lopes: historiador e prosador

Ironicamente pouco se sabe sobre a biografia do grande historiador português Fernão Lopes, o qual se firma também como maior personalidade literária da Idade Média. Presume-se que nasceu entre 1380 e 1390, em Lisboa, e morreu por volta de 1460. Foi momeado guarda-mor da Torre do Tombo em 1418 ( marco inicial do Humanismo português) por D. Duarte, antes disto já havia sido escrivão dos livros de D. João I, em 1422 serviu de secretário,”escrivão da puridade”de D. Fernando. Em 1434 foi incumbido de escrever as crônicas dos antigos reis de Portugal, das quais nos chegaram apenas três: Crônica de El- Rei D. Pedro, Crônica de El- Rei D. Fernando e a inacabada Crônica de El- Rei D. João.

Fernão Lopes é considerado um historiador sério e metódico, que procurou transcrever a verdade dos fatos, utilizando-se de todo material informativo que tinha a seu alcance, sua concepção da História é ética e atual, no prólogo da Crônica de D. João, suas palavras o confirmam: “E nós, engando per ignorancia de velhas scripturas e desvairados autores, bem podíamos ditando errar, porque, escrevendo homem do que nom é certo, ou contará mais curto do que foi, ou falará mais largo do que deve; mas mentira em este volume é muito afastada da nossa vontade.” . Embora suas intenções estejam claras na citação acima, manter a imparcialidade dos fatos verificou-se impossível, o que para M. Rodrigues Lapa “Seria desejar muito para aquela época, cuja paixão e cujo ardor nacional o nosso cronista tão bem representa.” . Vale ressaltar, porém, que tal parcialidade deve-se também ao fato de faltar documentos escritos suficientes nos quais pudesse basear-se, nestes casos fez uso de seu admirável senso crítico.
Além de grande e escrupuloso historiador, Fernão Lopes foi também um exímio prosador, cujo estilo permite incluir elementos tais como a religiosidade, ironia, dramaticidade e crítica, os quais soube ordenar como ninguém.
Em suas crônicas não se priva de incluir o povo, a “arraia miúda”, e suas lutas, demonstrando, inclusive, sua simpatia por esta camada social. Ao contrário do que se podia esperar, por sua ligação com a Coroa, faz críticas a nobreza, isenta-se de transformar os reis em heróis infalíveis, pelo contrário, humaniza-os, muitas vezes ridicularizando-os ou ironizando seus feitos.
Alguns dos elementos acima citados podem ser facilmente verificáveis, no delicioso capítulo XIII, da Crônica de D. João, em que Fernão Lopes narra o encontro entre D. João e a Rainha Leonor Telles, a quem pede desculpas por ter-lhe invadido o quarto e matado seu amante. Neste episódio podemos perceber claramente a humanização das personagens, D. João aparece frágil e embaraçado, um homem medíocre, “em obediência à verdade, Fernão Lopes fá-lo protagonista de cenas pouco grandiosas, e dá-lhe até por vezes atitudes um pouco ridículas.” ; em contrapartida Leonor Telles aparece como grande figura, embora adúltera, é mostrada como uma mulher sagaz e inteligente. As ações dos envolvidos são dramatizadas, tornando a narrativa envolvente, o que para A. José Saraiva deve-se também a sua extraordinária oralidade.
Tais pontos levantados levam-nos a acreditar e ratificar que Fernão Lopes foi muito mais que um cronista, foi também um dos melhores prosadores da Literatura portuguesa, tudo que se pode levantar sobre sua obra demonstra sua originalidade e sua visão lúcida sobre a sociedade portuguesa da Idade Média. Suas preocupações para com a verdade, seu senso ético, sua visão de mundo, além de seus méritos literários, são argumentos suficientes para qualificá-lo como alguém ousado e que transcende seu tempo, alimentando-nos com a compreensão da sua e conseqüentemente da nossa época.
Bibliografia:

AMADO, Tereza. Fernão Lopes, o contador de História. Lisboa, Ed. Estampa.
1991.

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Moeda. 1973.

LAPA, M. Rodrigues. Lições de Literatura Portuguesa - época medieval. 8ª ed. rev. e aumentada, Coimbra, Coimbra Ed.. 1973.

MARTINS, Mário. A Bíblia na Literatura Medieval Portuguesa. Lisboa, Bertrand. 1979 ( col. Biblioteca Breve / volume 35)

MOISÉS, Massaud. A Literatura Através dos Textos. 24ª ed., São Paulo, Cultix.
1997.

MONGELLI, L. M. , MALEVAL, M. A. T. e VIEIRA, Y. F.. A Literatura Portuguesa em Perspectiva. Direção Massau Moisés. São Paulo, Atlas. 1992.

PASSOS, Maria Lúcia P. de Faro. O herói na Crônica de D. João I, de Fernão Lopes. Lisboa, Ed.
Império. 1974.
SARAIVA, A. J.. O crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa, Gradiva, 1988.
SARAIVA, A. J. e LOPES, Óscar. História da Literatura Portuguesa. Rio de Janeiro, CBP. 1969.

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